O metaverso surfa, hoje, o hype dos jogos imersivos e das coleções milionárias de NFT através de cenários construídos virtualmente para que você, com o seu avatar, veja um show do David Guetta, por exemplo, ou compre um tênis digital na loja da Gucci.
Mas, ao longo das últimas décadas, muitas ideias de metaversos povoaram mentes questionadoras, interessadas em investigar os limites entre o virtual e o que é “de carne e osso”. Muito antes, inclusive, do metaverso ganhar a proposta utilitária atual.
Uma nuvem de interrogações surgiram nesse caminho e uma parte delas vem sendo debatidas até hoje, ainda sem nenhuma conclusão científica. Algumas perguntas são:
- O que pode acontecer se um dia a tecnologia evoluir a ponto de não podermos distinguir entre o mundo virtual e o real?
- Será que isso já aconteceu e vivemos em um universo desenhado por poderosíssimos computadores comandados por gente como a gente que nos enganam com uma realidade simulada?
- Pode existir alguma outra civilização ou força que não entendemos e que nos faz viver em uma simulação tão perfeita que a consideramos autêntica?
Leia mais sobre como o metaverso chegou até aqui mais abaixo!
Antes das Criptos
Há uma corrente de pensamento, frequentemente fomentada por mentes inquietas em diversas áreas do conhecimento, de que podemos, sim, estar vivendo em uma espécie de metaverso.
O astrofísico Neil deGrasse Tyson, apresentador da cultuada série “Cosmos”, é um desses cérebros privilegiados que acreditam em uma simulação. Para ele, seríamos apenas uma espécie de fantoches controlados por seres com uma potência computacional descomunal e que nossa existência seria gerida por um software em algum de seus HDs.
Em um artigo da “Scientific American” de 2016, ele disse: “É fácil imaginar que tudo nas nossas vidas é só uma criação de alguma outra entidade para o próprio entretenimento”.
O homem mais rico do mundo, Elon Musk, também já disse ter pensado “bastante no assunto” em uma conferência na Califórnia, há 5 anos.
O fundador da SpaceX pegou como exemplo os jogos e fez um contraponto entre o antigo Pong, lançado em 1972, e o que há de mais atual na indústria, quase 50 anos depois. Segundo Musk, a evolução foi tanta que hoje já existem games ultra-realísticos e ele não vê como impossível que daqui a um tempo a realidade fique indistinguível da ficção.
Ele falou sobre a possibilidade de já estarmos sendo manipulados virtualmente por gerações mais evoluídas e que isso pode continuar por outras gerações. E acrescentou: “Pode ser que uma vasta maioria de mentes como as nossas não pertençam à raça original, sejam apenas pessoas simuladas por descendentes avançados de outra raça original.”
Tais considerações refletem apenas uma parte do poder de encantamento que o metaverso tem sobre nós. O termo, um dos mais buscados no Google no ano passado, vem da união da palavra grega “metá”, que tem “depois de” como um de seus significados, e do substantivo “verso”, de universo. Ou seja: para além do universo.
Os mistérios universais sempre foram extremamente atraentes, os blockbusters e best-sellers de ficção científica estão aí para provar. Com a invasão do computador no nosso dia a dia e o salto tecnológico que hoje nos permite dar uma voltinha até no espaço, as teorias se multiplicam e, independentemente do quanto acreditamos nelas - e se acreditamos -, apenas o raciocínio por trás já é completamente fascinante.
Origem
Creditam a popularização do termo a um romance cyberpunk de 1992 chamado “Snow Crash”, traduzido para o português como “Nevasca”, de autoria de Neal Stephenson. O escritor, que nasceu nos Estados Unidos no fim dos anos 1950, é conhecido por seu interesse científico e uma parte de sua obra mistura matemática, criptografia, linguística, filosofia e história da ciência.
Por conta de sua visão futurística, Stephenson foi convidado para trabalhar como consultor da Blue Origin, a empresa de voos espaciais de Jeff Bezos. Hoje, ocupa o cargo de futurista-chefe da companhia de realidade aumentada Magic Leap.
Ainda nos anos 1990, mais especificamente em 1999, o filme “Matrix” arrastou multidões ao cinema para ver Neo, personagem de Keanu Reeves, escolher entre a pílula vermelha e a azul. As discussões entre o real e o “imaginário” que estavam mais restritas à comunidade científica passaram a virar assunto frequente nas rodas de conversa no dia a dia.
“Matrix” lança a temática e limita bem a fronteira entre o real e o virtual. O metaverso, no entanto, em sua evolução no futuro, quer transpor essa barreira e integrar os dois mundos de forma tão intensa que se torne difícil fazer a diferenciação. Ou até mesmo impossível, se seguirmos o raciocínio do fundador da Tesla.
Do conceito à realização
Um dos primeiros a trazer o conceito para o “mundo real” foi Philip Rosedale, criador do Second Life. Como o nome diz, os usuários podiam levar uma “segunda vida” como avatares, ou seja, uma existência paralela no ambiente idealizado por ele em 2003. Na verdade, eles ainda podem, porque a plataforma de mídia 3D continua funcionando e, mais do que isso, tem os seguidores fiéis que garantem o prosseguimento de suas atividades.
Hoje, jogos como Roblox e Fortnite formam uma espécie de geração seguinte ao “Second Life” e estão fazendo investimentos multimilionários para entregar experiências e simulações cada vez melhores, a fim de funcionar de forma mais eficiente no metaverso. Um dos objetivos principais é atrair mais empresas para seus mundos virtuais, interessadas em fazer parte do hype e pegar uma fatia desse bolo, que tem capacidade para gerar US$ 1 trilhão anualmente em receita, segundo levantamento do Grayscale.
Salto com Meta Platforms
O metaverso ganhou novas proporções mesmo ao ser anunciado como a menina dos olhos da gigante de tecnologia fundada por Mark Zuckerberg, que inclusive teve seu nome trocado de Facebook para Meta Platforms, para que ninguém tivesse dúvidas. Isso aconteceu no final de outubro do ano passado. Segundo disse na ocasião o CEO, o metaverso teria a capacidade de “alcançar um bilhão de pessoas na próxima década”.
No dia do anúncio e nos dias que se seguiram, o frisson era tanto que projetos de criptomoedas que tinham “meta” no nome, mesmo desconhecidos, tiveram valorizações monstruosas.
Um número recorde de pesquisas da palavra no mundo também foi registrado pelo Google. O Trends chegou a atingir 100 na escala de popularidade, ou seja, o pico.
Em dezembro, veio o que seria a primeira incursão da companhia no metaverso, “Horizon Worlds”, uma plataforma de VR onde os avatares, que gesticulam e falam com certo grau de realismo, podem socializar em universos diferentes, participar de competições e construir ambientes customizáveis. Para ter acesso, é preciso ser dono de um Meta Quest, o headset de realidade da empresa.
Nesta linha, a companhia pretende investir em espaços virtuais de trabalho para permitir que equipes que colaboram remotamente possam produzir reuniões mais dinâmicas e divertidas. A proposta foi batizada de “Horizon Workrooms”.
Da mesma forma, está nos planos da Meta o “Horizon Home”, elaborado para uma convivência privativa, que permitirá a criação de comunidades de acesso restrito.
O metaverso de Mark Zuckerberg caminha para ser uma extensão das redes sociais que a Meta domina, como Instagram e Facebook, já utilizadas por 2,7 bilhões de pessoas. Os lucros são feitos em cima dos dados do usuário e a partir da lógica centralizada da Web2.
O uso do Blockchain
Mesmo com Zuckerberg responsável por elevar o termo a patamares nunca vistos, o metaverso já vinha sendo desenhado por muitas companhias na Web3, com o uso da inovadora tecnologia do blockchain.
Nessa rede, não existe centralização de informações. Elas são distribuídas por uma legião de computadores e as interações são feitas peer-to-peer, ou seja, de pessoa para pessoa, sem um intermediário.
A grande dificuldade ainda para as empresas é conseguir criar aplicações para o metaverso que se estendam para além das fronteiras dos jogos. Eles são responsáveis pela maior parte do uso da tecnologia blockchain atualmente.
Gamers
Os games estão apostando na construção de mundos virtuais poderosos onde a economia gira em torno de criptomoedas e tokens não fungíveis, os NFTs. Os jogadores conseguem ter vivências imersivas bem completas com a introdução de ferramentas de inteligência artificial e a evolução dos recursos de realidade virtual, realidade aumentada e gráficos 3D.
Indústrias como a do entretenimento, do esporte e da moda descobriram no metaverso uma gigantesca oportunidade de expandir seu alcance a um ambiente comercial totalmente novo e lucrativo.
Adidas, Ralph Lauren, Warner Music Group, Gucci e outras marcas já estão faturando no universo digital baseado em blockchain ao aumentar a interação com seu público sem precisar de uma loja física e de tirar o consumidor de casa.
The Sandbox e Decentraland são duas das maiores companhias a surfar essa onda. Elas oferecem jogos no estilo play-to-earn em que os jogadores têm liberdade para criar e interagir enquanto movimentam a economia dos metaversos.
Os gamers podem comprar e customizar imóveis e roupas, se alimentar, assistir a concertos de estrelas do showbusiness, enfim, fazem atividades normais semelhantes às da “existência original”.
Obstáculos
O principal limitador ao aumento da adoção do metaverso pelo público deve ser o preço dos dispositivos de imersão.
Sejam eles computadores mais potentes ou óculos de VR, os aparatos ainda têm valores salgados e é natural que fiquem restritos a um grupo menor de consumidores. É importante que haja uma mobilização da indústria em torno do desenvolvimento de equipamentos com melhor custo-benefício do que os que existem hoje no mercado.
A ampliação do acesso à rede 5G é outro ponto de destaque. Um forte incremento na velocidade dos dados diminui os riscos dos usuários do metaverso terem aqueles “choques de realidade” quando a tecnologia falha. O processamento também ganha potência, tornando os gráficos mais realistas.
Perigos
Existe uma nomenclatura usada pela comunidade médica para se referir às pessoas que sofrem de angústia e ansiedade quando não conseguem ter acesso ao celular por algum motivo. A nomofobia, derivada da expressão em inglês “no mobile phone phobia”, é identificada principalmente em pré-adolescentes e adolescentes, os que mais consomem tecnologia e passam mais tempo nas redes sociais.
Agora, como será a palavra equivalente para quem ficar viciado no metaverso? A preocupação já começou a pairar sobre os estudiosos de questões comportamentais e de saúde, mas a tecnologia ainda é nova e muito pouco foi investigado até agora. De qualquer maneira, as redes sociais como são hoje não oferecem nem uma fração do nível de imersão que o metaverso está sendo preparado para fazer. Portanto, os efeitos podem ser potencializados.
O longo caminho até a solidificação do metaverso também deverá passar pelos direitos do consumidor, por exemplo, já que as empresas estão correndo para faturar no ambiente digital. Da mesma forma, as interações entre os avatares podem esbarrar em abusos, trocas de ofensas e até eventuais crimes, como já acontece hoje nas redes sociais.
Por enquanto, o metaverso é uma ferramenta, mas, ao que tudo indica, se transformará, muito em breve, em um estilo de vida. E tudo precisará ser ressignificado. Agora, é esperar para ver.